domingo, 8 de agosto de 2010

10º Sarau da família Araújo - 24 de julho de 2010

Pessoas, segue este texto um estudo que encontrei na net sobre ele, que achei muito interessante, no final do estudo tem o endereço acessado.


O Anjo (Ferreira Gular)
O anjo, contido
em pedra
e silêncio,
me esperava.
Olho-o, identifico-o
tal se em profundo sigilo
de mim o procurasse desde o início.
Me ilumino! todo
o existido
fora apenas a preparação
deste encontro.
Antes que o olhar, detendo o pássaro
no vôo, do céu descesse
até o ombro sólido
do anjo,
——–criando-o
- que tempo mágico
ele habitava?
Tão todo nele me perco
que de mim se arrebentam
as raízes do mundo;
tamanha
a violência de seu corpo contra
o meu,
——–que a sua neutra existência
se quebra:
————e os pétreos olhos
————se acendem;
————facho
emborcado contra o solo, num desprezo
à vida
arde intensamente;
—————-a leve brisa
—————-faz mover a sua
—————-túnica de pedra.
O anjo é grave
agora.
Começo a esperar a morte.

Estudo

“O anjo” (p. 26-27), por exemplo, se resume na procura
desesperada da poesia e na desilusão do encontro – angústia do poeta que
não descobre a solução para seu desespero nem mesmo na palavra que,
não obstante, é tudo o que lhe é possível. A forma fixa dos poemas anteriores,
com rimas regulares e versos metrificados, é substituída pela fragmentação
dos versos, pela ausência de rimas e de ritmo marcado, num
processo permanente de rupturas. Ferreira Gullar, ao dividir o poema em
quatro partes, sugere os quatro movimentos distintos da criação poética:
o encontro, a criação, a posse total, a morte. “O anjo, contido/ em pedra”
(p. 26), como a inspiração no silêncio, está à espera de que alguém o descubra,
não foge, não vai ao encontro de ninguém, não se entrega senão àqueles
que o procuram. O anjo, na sua natureza etérea, ganha forma na pedra;
a poesia, na sua matéria abstrata, ganha forma no poema. A inspiração,
o clarão instantâneo, o lampejo do encontro – “Me ilumino!” (p. 26) –
só aparecem após a agonia de uma longa procura, muitas vezes até inconsciente.
Quando a posse se dá, há uma transfusão de vida, a pedra fria é
fecundada pelo ardor do poeta: “sua neutra existência se quebra” (p. 27).
Opera-se, agora, uma verdadeira magia; a pedra se transubstancia em
carne, o imóvel se põe em movimento, os olhos frios adquirem vida:
e os pétreos olhos
se acendem
(...)
a leve brisa
faz mover a sua
túnica de pedra.
(p. 27)
A posse é o verdadeiro momento da criação. O anjo não é mais
pedra, o poeta não é mais silêncio, tomou forma e vida, é o milagre da
linguagem poética não pela sua essência quanto pelo seu poder de criação.
Houve um equilíbrio perfeito entre as duas forças que são as componentes
do poema, de um lado o encontro casual, a inspiração livre, aérea,
indefinida, fantástica e do outro a força selecionadora e organizadora da
palavra fecundante recriada pela lucidez que fixa definitivamente a forma
do poema. E subitamente, de modo fulminante, como a própria última
estrofe – três curtos versos – tudo acaba, vem a morte. O encontro, a
criação, a posse vitoriosa, tudo se transforma em tristeza, mais ainda, se
transforma em morte: “O anjo é grave/ agora./ Começo a esperar a morte”
(p.27).
A visão que brilhou, por instantes, não se transformou em vida a
não ser no instante, breve instante, da inspiração, para voltar a ser novamente
pesado e frio quando a inspiração se transformou em palavra. Ao
usar o vocábulo “morte” como fecho do poema, o poeta nos revela todo o
sofrimento da procura, da aspereza do caminho e a desilusão da posse
que jamais poderá ser total, plena e definitiva. O anjo é vivificado, acorda
de seu profundo sono, mas no mesmo instante perde a vida e o encanto.
Daí a angústia do poeta, ao contemplar sua criatura, por aquela impotência
de penetrar no âmago da palavra e por aquela impossibilidade de
uma autêntica realização do lampejo inspirador.
Ferreira Gullar, que começou procurando a poesia no espaço dos
mitos e símbolos poéticos, constata com pesar que o poema surgido desta
imensidão íntima, uma vez realizado, perde a força inicial, é vão, sem
sentido.
http://www1.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/revista39/art18.pdf

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