sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Esta poesia também foi declamada no 6º sarau da família Araújo

As Duas Rosas


Castro Alves



I

São duas rosas unidas,

São duas flores nascidas

Talvez no mesmo arrebol.

Vivendo no mesmo galho,

Da mesma gota de orvalho,

Do mesmo raio de sol.



II

Vivendo... bem como as penas

Das duas asas pequenas

De um passarinho no céu.

Como um casal de rolinhas

como a tribo de andorinhas

Da tarde no frouxo véu.



III

Vivendo, bem como os prantos

Que em parelhas descem tantos

Das profundezas do olhar.

Como o suspiro e o desgosto,

Como as covinhas do rosto,

Como as estrelas do mar.



IV

Vivendo... ai, quem pudera,

Numa eterna primavera,

Viver qual vive esta flor.

Juntar as rosas da vida

Na rama verde e florida,

Na verde rama do amor.


Declamada por: Cláudia Arcari

6º Sarau da Família Araújo - 12 de setembro

Aí galera,
já rolou o 6º sarau, esteve simplesmente maravilhoso, só pra variar o violão latino de Demétrio Espinosa, o violino de Miltinho e muita poesia de altíssima qualidade.

Uma das maravilhas ouvidas por nós foi essa poesia de Cecília Meireles.                                               Primavera 


A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.

Declamado por : Maria Rita da Silva

O sarau também serviu de pretexto para comemorar os aniversários de Gilmar, meu amor, e de Fabíola, uma amiga querida, além da primavera.